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  • Foto do escritorDavid Grinberg

POSFÁCIO DE ROTINA DE FERRO

Atualizado: 16 de jun. de 2020



“Tudo é possível.”



Que conceito! Essa frase simples, mas incrivelmente poderosa, é o lema que inspira os atletas de Ironman em todo o mundo.


Conheci o David em 2016, quando ele se juntou à equipe que trabalhava em um projeto importante para a Arcos Dorados, empresa que opera a marca McDonald’s na América Latina. Ele foi o líder do patrocínio da marca nos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro. Naquela cidade, começamos a formar uma ligação em torno do nosso amor mútuo pelo esporte. Mesmo assim, nossa relação era restrita ao trabalho, até que, quase dois anos depois, um evento muito diferente plantou a semente da nossa amizade. Em 16 de junho de 2018, David me enviou um texto, escrito desde sua cama do hospital, que dizia: “Dan, saiu o resultado preliminar que confirma que tenho um linfoma…”.


Eu sabia que ele havia feito alguns exames porque não estava se sentindo muito bem. Ao mesmo tempo, tinha certeza de que era uma consequência do sonho, realizado pouco tempo antes, de completar um Ironman 140.6 (de 225 quilômetros de distância). Afinal, quem voluntariamente se expõe a tanto sofrimento físico e psicológico, vai contra o conselho de seus médicos e depois espera se recuperar rapidamente? Eu, com certeza, jamais pensaria em algo tão maluco!


Quando David me disse que era linfoma, tive dificuldade em processar a informação. Como algo assim poderia acontecer com um rapaz jovem, saudável e atlético, que se dedicava à família e era prodígio em sua profissão? Imediatamente, claro, fiz uma pesquisa básica sobre a doença. O que é? Como é o tratamento? Quais são as taxas de sobrevivência? Desanimador.


Depois que o choque inicial passou, uma coisa ficou clara para mim: não interessava como nem por que isso havia acontecido. O que importava era como ele venceria a doença e de que modo eu poderia ajudar. Desde o início, David mostrou seu lado otimista, afirmando em uma mensagem de texto que “o prognóstico é muito positivo!”. Ao saber que ele estava sendo tratado por ótimos médicos e vendo seu otimismo, procurei uma maneira de apoiá-lo. Era o que eu tinha em mente quando, tímida e apreensivamente, fiz um comentário passageiro durante uma visita sobre participarmos de um triatlo juntos depois de sua cura. Não demorou para que o triatlo hipotético se tornasse uma competição real, um Ironman 70.3, que virou um objetivo comum (#IronMan2019) e um mote para nosso projeto #ThisIsAMission.


No início, algumas pessoas expressaram a preocupação de que eu poderia criar falsas esperanças. No entanto, não encarei assim. Sabia que a estrada seria longa e difícil, mas nunca duvidei do resultado. Mais tarde, conversando com alguns colegas de trabalho, me convenci de que o desafio ajudaria e motivaria David a fazer planos. Com isso, comemoramos o nascimento do nosso projeto distribuindo pulseiras verdes e amarelas nas quais estavam escritas as hashtags #IronMan2019 e #ThisIsAMission. E a pulseirinha viralizou!

Demos o acessório a familiares, amigos, colegas de trabalho e várias outras pessoas. Eternizamos o momento ao tirar uma selfie com o punho em riste mostrando a pulseirinha. Eu enviava minhas fotos para o David, e ele publicava nas redes sociais as dele com o mais recente ganhador de uma unidade. Mais importante que isso, porém, foi a enxurrada de fotografias e de pessoas mostrando suas pulseiras, o que confirmou para David quanto ele é amado e admirado por todos aqueles que o conhecem. Eu gosto de pensar que o projeto ajudou meu amigo a superar seus momentos mais difíceis.


Durante seu tratamento, em casa, no trabalho ou no hospital, David e eu trocávamos mensagens diariamente, e uma coisa que ele deixou claro para mim desde o início foi que não queria ser visto como vítima nem como doente. Esperava ser o mesmo David Grinberg, diretor de comunicações da Arcos Dorados Brasil, pai, marido, filho, irmão, amigo e colega de trabalho.


Eu sabia o que isso significava: meu maior desafio era garantir que ele priorizasse sua recuperação, não o trabalho. Ele é teimoso e é capaz de aguentar um desgaste físico maior que uma pessoa normal. Afinal, já competiu o Ironman seis vezes! Por isso, metade das conversas que tivemos no segundo semestre de 2018 foi para garantir que não se esforçasse tanto no trabalho de maneira a atrasar sua recuperação. A outra metade girou em torno de assuntos relacionados ao escritório e, mais importante, à vida familiar. E, a partir do momento em que me comprometi a me tornar um ironman, também começamos a falar sobre o meu treino.


Confesso que não estava no auge de minha condição física quando comecei a jornada rumo ao Ironman 70.3 de Eagleman, em Cambridge, Maryland. Na verdade, estava em minha pior forma. Aos 44 anos, pesava mais de 110 quilos, nutria péssimos hábitos alimentares (tanto em quantidade quanto em qualidade), bebia bastante cerveja, viajava constantemente a trabalho e quase nunca me exercitava. Pensando bem, a doença de David pode ter salvado minha vida!


Contratei um personal trainer para me auxiliar a perder peso e preparar meu corpo para quase 2 quilômetros de natação, 90 quilômetros de ciclismo e 21 quilômetros de corrida que enfrentaria com meu amigo. O início da jornada foi humilhante, mas me dediquei com afinco à missão. Toda vez que pensava em trapacear em um exercício ou pular um treino, tudo o que precisava fazer era olhar para a minha pulseira verde e amarela. Saber que David estava enfrentando uma jornada muito mais difícil ajudou a me manter determinado. De tempos em tempos, enviava a ele fotos do meu rosto suado depois de um treino, uma corrida ou umas voltas de bicicleta. Ele sempre respondia com uma frase motivacional ou conselhos sobre como intensificar meu treinamento. Normalmente, sou uma pessoa muito descontraída, que não consegue passar mais de alguns minutos sem fazer piada. No entanto, a certa altura, meu treinador, amigo da família, perguntou à minha esposa se eu sempre havia sido sério. Não, eu estava apenas DETERMINADO!

Enquanto eu me exercitava, David enfrentava seus ciclos de quimioterapia. Parecia lógico que ele resistiria ao tratamento melhor que a maioria das pessoas, por causa de sua pouca idade e de sua excelente condição física. Sem mencionar sua capacidade mental para lidar com o sofrimento. Apesar disso, sabia que ele poderia ter contratempos e estava preparado para apoiá-lo com todas as palavras e todos os gestos necessários. A verdade é que, mais que suas façanhas como triatleta, David mostrou ter o coração de um campeão em sua luta contra o linfoma. Ele cumpriu seu cronograma e, sempre que conversávamos ou nos víamos (no hospital, no escritório ou quando fomos com alguns amigos ver um jogo de seu amado Santos Futebol Clube), David exalava uma felicidade genuína e mantinha o pensamento positivo. Ele nunca reclamou de dores, mencionando-as apenas quando eu perguntava e logo mudando de assunto. Espero nunca experimentar o que ele passou, mas o admiro pelo modo como enfrentou a batalha: como um campeão!


No início de 2019, com a pior parte do tratamento dele no retrovisor, David e eu começamos a treinar para completar nossa missão. Ele no Brasil e eu ainda nos Estados Unidos. Não tivemos mais conversas sobre médicos, hospitais nem transplante. Seu cabelo voltou a crescer e seu corpo se recuperou. Em pouco tempo, ele passou a publicar seus treinos de natação, ciclismo e corrida nas redes sociais, e eu recebia fotos do rosto suado dele, mostrando que também estava se preparando para nossa missão. Fiquei feliz ao vê-lo voltar a fazer o que ama.

Naquele momento, eu já me exercitava regularmente e havia melhorado a dieta. Nadar foi mais difícil do que eu esperava no começo, mas não demorei muito para sentir que seria capaz de completar essa etapa da prova. Então, veio o ciclismo. Fui forçado a pedalar sobre um rolo dentro de casa, já que os invernos na Pensilvânia são muito rigorosos. Embora soubesse que iria devagar, treinei o suficiente para ter certeza de que conseguiria cumprir a distância. Por fim, a parte que eu mais temia: a corrida. Cresci jogando futebol, mas sempre preferi ser goleiro. Por quê? Odeio correr! De fato, antes de aceitar esse desafio, o máximo que havia percorrido em toda a vida havia sido 2,5 quilômetros. Como eu iria correr 21 quilômetros? A resposta: com um passo de cada vez.


A fase final do treinamento incluiu dois desafios importantes, que me fizeram ter confiança em minha capacidade de terminar o Ironman 70.3 de Eagleman. A primeira foi a Broad Street Run, uma corrida de rua de 16 quilômetros, na Filadélfia, que completei junto com meu cunhado e sua esposa. Os dois terminaram antes de mim, mas, para minha surpresa, cruzei a linha de chegada dez minutos mais rápido do objetivo que havia definido! Saber que tinha corrido 16 quilômetros pela primeira vez na vida me fez acreditar que, em algumas semanas, eu seria capaz de correr mais um pouquinho.


O segundo desafio foi um triatlo sprint em Bear, no estado de Delaware. As distâncias eram curtas, mas queria experimentar a transição da natação para a bicicleta e depois para a corrida. Por pouco não consegui passar da natação. Na verdade, quase parei antes dos 200 metros da prova de mil metros na água. Meu coração ficou acelerado, minha respiração, fora de controle, senti a roupa de mergulho apertada, havia centenas de pessoas ao redor, a água estava escura e não conseguia ver mais de 15 centímetros à frente. Mais uma vez, minha pulseira me salvou. Tirei-a de sob a roupa de natação e me acalmei o suficiente para completar a prova, porque havia prometido ao meu amigo David. Depois, pedalei os 16 quilômetros e corri os 5 quilômetros necessários para completar o primeiro triatlo da minha vida. Eu me senti muito agradecido pela experiência e percebi que estava totalmente pronto para o #IronMan2019.


A manhã da corrida chegou depressa. David havia vindo do Brasil com a esposa e os dois filhos para fazer a prova. Partimos para Cambridge com meu pai no dia anterior, e minha esposa e minha irmã foram de carro na manhã seguinte para nos apoiar. Estava agora com 45 anos, pesava menos de 96 quilos, mantinha hábitos alimentares muito melhores, bebia pouca cerveja, havia mudado de emprego para viajar menos a trabalho e me exercitava com frequência. Na manhã de 9 de junho de 2019, usando um uniforme combinado e feito sob medida para nossa missão, eu me senti um verdadeiro triatleta ao lado de meu amigo David Grinberg.


A primeira notícia que recebemos naquela manhã foi decepcionante. O rio onde nadaríamos estava muito turbulento para permitir que os botes de segurança entrassem na água, o que fez com que os organizadores cancelassem a etapa de natação. Fiquei desapontado, porque queria poder dizer que tinha completado uma competição de 70,3 milhas, mas que agora teria “apenas” 69,1 milhas. Para piorar, David e eu havíamos planejado nadar, pedalar e correr um ao lado do outro o tempo todo. Ele ia me impedir de me afogar e me motivaria a terminar a corrida no fim. Só que agora os atletas seriam liberados na ordem dos números de inscrição. Como havia mais de 250 competidores entre o número de David, 2.195, e o meu número, 2.458, ele sairia para o percurso de bicicleta de 10 a 15 minutos na minha frente, e com certeza terminaria os 90 quilômetros muito mais rapidamente. Naquele momento, disse que ele deveria pedalar e correr em seu ritmo e que nos veríamos no fim. Mas ele respondeu: “De jeito nenhum! Vamos fazer a corrida juntos! Vou esperar por você e vamos cruzar a linha de chegada juntos!”.


E foi o que ele fez. Como saiu antes e pedalou mais rápido, David acabou esperando por mim para começarmos a corrida juntos. Estava na área de transição, onde comemorou minha chegada, me ajudou a trocar o equipamento de ciclismo pelo tênis de corrida e manteve minha mente longe do fato de que minhas pernas ainda estavam dormentes da pedalada.


Achei a corrida tão difícil quanto havia previsto, mas David não saiu do meu lado e passou o tempo todo me incentivando e me empurrando. Conversamos sobre muitas coisas e com vários outros atletas nesses 21 quilômetros percorridos em 2h45 (nunca disse que seria rápido!), enquanto corríamos, andávamos e depois corríamos mais um pouco. Durante os últimos 800 metros, ouvimos o barulho da torcida e a voz do locutor nos alto-falantes, parabenizando os atletas que cruzavam a linha de chegada. Saber o que cada um de nós passou para viver esse momento juntos trouxe uma sensação tão grande de realização e de alegria que não tenho palavras para descrever. Em meio à exaustão daquele dia chuvoso em Cambridge, lembro-me de colocar o braço sobre os ombros de David, de erguer o outro para o céu e de cruzar a linha de chegada com ele, para então dar um longo abraço em meu amigo.


Quando enfrentamos nossos desafios comprometidos e com a atitude certa, “tudo é possível!”. Concentre-se no que é verdadeiramente importante para você, seja grato por todos os dias que passa neste mundo e torne-se o melhor pai, marido, filho, irmão e amigo que puder.



Dan Schleiniger

Obs.: Nem David nem eu poderíamos ter feito o que fizemos entre 26 de junho de 2018 e 9 de junho de 2019 sem o apoio de familiares e amigos. Obrigado a todos vocês! Além disso, David estava certo quando me disse que havia 100% de chance de eu querer fazer outro Ironman depois de completar o primeiro. Já temos um novo projeto: #rumoaoproximo70.3!




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